terça-feira, 12 de abril de 2011

Deu a louca na praça

     Manhã de sábado e de sol em Porto Velho, desci a ladeira à procura daquela promoção, insistentemente anunciada na televisão. Ouço música ao longe, como as flautas mágicas dos músicos de Hammellin, ela me atrai, mais que o apelo consumista da feira de sapatos. No pensamento ainda as lembranças do show de Xangai, visto na noite dia anterior, e a mesma cobrança , que recentemente eu lera em jornais, a respeito de um show, livro, espetáculo: faltou emoção! Então é isso? Lemos um livro, assistimos a um show, buscando emoção?
     O jornalista José Castello em crônica no jornal Estado de São Paulo, “Carta a um escritor amordaçado” conta do desentendimento que teve com o escritor Bernardo Carvalho, contista, quando ao analisar o livro deste, Onze, apesar de reconhecer muitas qualidades no livro, achou-o desprovido de emoção. Na Parabólica,(coluna publicada no Jornal Alto Madeira) Ismael Machado deu espaço ao reclamo de uma leitora que também cobrava mais emoção, desta feita no show de Nilson Chaves. E não foi essa a minha cobrança naquele espetáculo teatral com o Grupo que veio do Rio de Janeiro para o encerramento da Semana de Teatro do SESC? Tudo muito bonito, tudo muito certinho, mas sem contagiar o público.
     Na praça quem toca é uma banda militar, estudantes uniformizados formam um público especialmente convidado para uma festa que não sabemos qual. Mas o povo que passa, vai parando para ouvir a banda tocar. Ao meu lado dois rapazes se perguntam o motivo da retreta: - não sei,  mas acho que deveria ter mais vezes e ser divulgado para o público, responde um deles.
     A música é bonita, me faz pensar em dançar, pelo menos acompanhar a cadência da música, com um remelexo do corpo. Olho em volta , ninguém parece estar encorajado a fazer o mesmo, são apenas observadores de um espetáculo, rostos rijos, parecem não se achar no direito de subir nesse palco. Até as palmas, depois de cada música executada, são tímidas,comportadas.
Mas de repente eis que ela surge, a louca, a doidinha, a dançarina da praça. Como se há muito houvesse ensaiado aquele número, ela dança. Ela tem ritmo, muda a coreografia no mesmo compasso da música, sorri, se exibe com sua roupa vermelha e as flores no cabelo, uma produção mal-produzida, uma beleza longe de ser reconhecida pelos padrões oficiais.
     Das estudantes adolescentes ela ganha risos de mofa, de outros nem isso. Porém, os pensamentos devem ser os mesmos: coitada! quem é essa louca?
     Louca ela, ou loucos nós, que não nos deixamos dominar pela emoção? Que permanecemos inertes enquanto a música pede para que nos embalemos? E assim vamos nos tornando cada vez mais rudes, rancentos, de mal com a vida.
     Quem sabe tivesse eu, feito louca, dançado na praça, teria saido dali mais leve, não teria comprado briga com o comerciante que me atendeu mal e estragou o meu dia!
Em tempo: falando de música , de emoção , e de Xangai , este, no show, pediu a um certo Zé para cantar-lhe uma canção. O Zé roubou a cena, com uma voz maravilhosa cantou e encantou e deu aquele tempero que estava faltando no espetáculo: a emoção.
Crônica da Série Um Dedo de Prosa, publicada originalmente no Jornal Alto Madeira - Porto Velho, em  agosto/1996
Em tempo 2011:
A Elielza, a Bailarina da Praça continua dançando, não só na praça mais em todo e qualquer palco onde lhe dão oportunidade de subir.
O certo Zé  era nada mais, nada menos que o grande Zezinho Maranhão.

Um comentário:

  1. A grande questão é essa, pois normalmente as pessoas não se expõem com medo do rídiculo e de ser taxadas de loucas. "Mas louco é quem me diz que não é feliz. Eu sou feliz..." Bjs!!

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