quinta-feira, 26 de maio de 2011

Domingueira

        Nota: Crônica publicada originalmente em 1997 no jornal Alto Madeira, com o título "Aconteceu há 20 anos" . Hoje, que meu coração está apertado de preocupação com mamãe internada na UTI do São Camilo, em Macapá, como gostaria que ela estivesse bem, me ligando pra dar boas notícias.


           Dona Maria, uma vizinha de infância, está passando uma temporada em Porto Velho. Foi um interurbano de minha mãe que colocou-me a par da informação. Talvez porque seja eu a única a ter largado a barra de suas saias, quando nos telefonamos, mamãe não só dá notícias dos nossos, mas também de amigos e conhecidos. Fulana teve filho, o marido de sicrana morreu, gentes que por vezes já nem lembro quem são.
          Há pelo menos 20 anos não via D. Maria. Fui ter com ela, não resisti à possibilidade de resgatar um pouco de minha memória. Se bem que dela lembrava-me bem, uma mulher miudinha , trabalhadora, artesã de mão-cheia. A sala de sua casa estava sempre repleta de materiais com os quais ela confeccionava arranjos florais, pinturas em tecido e tudo o mais que sua criatividade proporcionava. Evangélica, daquelas que guardavam o 7o. Dia, já na sexta a tarde, com o pôr-do-sol dava trégua à sua labuta e durante todo o dia de sábado não pegava em trabalho, nem dinheiro recebia nesse período.
          Sua vinda a Porto Velho tem um pouco dos enredos de novela. Há 38 anos procurava uma filha que fora apartada de sua companhia pelo ex-marido e a mãe deste. Já havia mesmo apelado para aqueles anúncios em emissoras de rádio e televisão. Para a sua felicidade a filha também a procurava, foi um vizinho desta que descobriu o paradeiro de D. Maria, em Macapá. A partir daí tudo foi festa em sua vida, a filha foi lá (re)conhecer os irmãos e sobrinhos. Quando voltou, trouxe a mãe para conhecer os netos e bisnetos que, somados aos de lá, a fazem perder a conta.
          As vésperas de completar 74 anos de idade, ela conserva uma vitalidade impressionante - diz que não sabe o que ter dor-de-cabeça - e a mesma disposição para o trabalho. Contou-me de suas andanças por diversas cidades ministrando cursos de artes e da excursão que fizera a Argentina e Paraguai. Agora com a visita a Guayaramerin, contabilizava orgulhosa conhecer três países estrangeiros.
          No almoço, na euforia de dar-me notícias de todos, ela quase não comeu. Falava sem parar, colocando-me diante de lembranças de mais de 20 anos passados. Fiquei feliz ao perceber que D. Maria, não parou no tempo, evolui junto com as mudanças a sua volta, mesmo que ainda professe o mesmo credo de uma igreja cujas proibições incluíam assistir novelas, usar shorts curtos, batons e brincos.
          O jovem casal, que nos acompanhava naquele almoço de domingo, pediu licença para se retirar , pois ainda iriam fazer a “domingueira”. Como a testar D. Maria, eles esclarecem que estavam se referindo a sesta. Ela retrucou: - sei, é melhor fazer a “domingueira" em casa do que ir fazer fora e pegar doença! E arrematou marota: - eu finjo que estou chupando o dedo, mas estou muito esperta !

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